Pra ficar de olho
Aos 21 anos, Alice Rocha comanda o Ahlixe Doces e tem tudo para ser a mais nova promessa nacional da confeitaria
Alice Rocha herdou dos parentes o amor pela gastronomia, visto que suas avós eram cozinheiras natas e sua mãe sempre fora uma grande amante de doces. “As lembranças que eu tenho da minha bisavó na minha vida, de quando eu era pequena, são sempre dela cozinhando para todo mundo da família; e fazendo muitas coisas ao mesmo tempo, desde macarrão com rolo de massa até bolinho de chuva e pipoca”, relembra.
Mas dentro de casa quem cozinhava mesmo no dia a dia era o pai, que rapidamente se tornou uma de suas maiores influências quando o assunto era a boa gastronomia. Desde os dois anos ela, intrigada com as panelas sujas, fogo alto e aromas irresistíveis, sempre dava um jeitinho de acompanhar o preparo das refeições, mesmo que fosse apenas para ficar sentada num banquinho observando de lado. “A cozinha une as pessoas. Eu me interessava, porque era um momento em que todo mundo estava junto, e todo mundo parava para prestar atenção em uma coisa só”, explica.
Quando Alice tinha 14 anos, seu pai se mudou e, cada vez mais atraída pela gastronomia, foi ela quem assumiu a cozinha de casa, fazendo os almoços e jantares para a família. “É como se tivesse passado o bastão para mim”. Já não tinha mais volta. A culinária tinha se tornado uma verdadeira paixão, e era apenas questão de tempo até que hobby virasse o trabalho dos sonhos.
Ela estava no segundo ano do ensino médio quando decidiu pesquisar mais a fundo sobre a gastronomia, principalmente na relação de comida como um meio e ato político, com temas que envolvem a saúde pública, assim como o trabalho de pequenos negócios e produtores. “A partir disso, a cozinha começava a sair do hobby e ir para um lado mais profissional. Não tem política sem comida. Essa é uma bandeira que eu levanto até hoje em dia. É uma coisa que eu luto para que as pessoas compreendam a importância disso no nosso cotidiano”, defende.
Decidiu então cursar Gastronomia no Senac da capital paulista. Mesmo assim, embora se encantasse pela área ainda não tinha certeza se era com isso que gostaria de trabalhar. “Eu tinha um certo medo, porque não sinto que os cozinheiros aqui no Brasil são levados tão a sério se você não for famoso ou tiver uma estrela Michelin. Mas entrei de cabeça [na universidade] e cá estou eu”.
Sua lista de inspirações inclui uma grande lista de chefs incríveis e extremamente talentosas. No campo da gastronomia política, ela destaca nomes como Bela Gil, Paola Carosella e Bel Coelho, “três mulheres que falam tudo que precisa ser falado, sobre a importância da comida para o povo, comida e saúde e comida como meio de empoderamento”. Não é à toa que ao compartilhar quem são suas referências as mulheres da área são enaltecidas.
Consciente da disparidade de gênero nos cargos mais altos da gastronomia profissional, ela reconhece que a mulher estar na gastronomia é uma questão contraditória. “Se você for seguir o ideal machista da sociedade, dizem que o lugar da mulher é na cozinha, servindo o homem. Ao mesmo tempo, quando olhamos mulheres trabalhando na cozinha, que é o lugar que a sociedade diz que ela deveria estar, elas são a minoria, não têm cargos altos e precisam lutar muito mais para estarem ali”.
“Hoje em dia eu sigo muitas mulheres que estão dentro da gastronomia, e ainda bem que estão. Mulheres fortes trabalhando, sejam elas donas do próprio negócio ou chefs super famosas com estrelas Michelin. A representatividade é muito importante na gastronomia, porque é um lugar ainda muito dominado por homens, duro e machista. Precisamos normalizar a mulher estar na gastronomia tanto quanto o homem. Espaços para falar sobre isso são às vezes o que nos ajudam a seguir e ter mais força”, afirma.
Alice também admira nomes como Raíza Costa, Dominique Ansel, Zoe François, Nicole Rucker, Adriano Zumbo, Lu Lafer, Janine Vieira e Bel Carvalho. Fascinada pelo mundo dos bolos, tortas e afins, a confeitaria é a parte que mais ama, e que de fato pretende seguir na vida.
Com o intuito de se especializar e ir consolidando seu nome na área – ela criou o Ahlixe Doces, serviço de sobremesas sob encomenda inaugurado em 2019. O cardápio inclui itens como bolo de limão siciliano e creme de mascarpone, chroux recheadas, trufas veganas, cheesecake de frutas vermelhas, brownies, rolinhos de canela e muitas outras delícias de dar água na boca. “Meu processo de criar receitas vai conforme os sabores e doces que eu gosto”. A partir disso, ela começa a ler sobre as técnicas específicas de cada preparo e a testar diferentes receitas. “Começo com uma básica, bem simples, e altero as coisas que quero, adicionando sabor ou reduzindo a quantidade de açúcar, por exemplo”.
Ela conta que logo depois de criar várias versões de um mesmo doce, modificando cada um dos elementos que achar interessante, o próximo passo é provar tudo! “Testo várias vezes. O pessoal aqui de casa fica duas semanas comendo os meus testes”, brinca. Às vezes as coisas saem do planejado, e nem sempre o resultado fica bom. Mas tem que levar na esportiva. Afinal, nenhuma boa invenção foi criada de um dia para o outro. “O processo de criar coisas é justamente esse. Muitas vezes as coisas vão dar errado, e está tudo bem”.
Por mais que prefira trabalhar com confeitaria, Alice reconhece que os diferentes ramos da gastronomia andam sempre de mãos dadas, e que saber um pouquinho de tudo faz uma enorme diferença para garantir a melhor excelência no serviço. Por isso, além de estagiar na London Pie – empresa de tortas doces por encomenda – ela também participou do programa de estágio do animado Caracol Bar, conhecido por música boa, ambiente moderno e drinks clássicos. “É muito importante ter uma experiência em lugares que você acredita, num lugar que realmente gosta. Isso deixa a experiência mil vezes melhor”. Lá, ela teve a oportunidade de ver o dia a dia de uma cozinha profissional, trabalhando não só na parte de sobremesas, mas também em um pouquinho de tudo, colocando em prática os conhecimentos acumulados ao longo dos anos.
“Eu estou sempre pensando sobre gastronomia e querendo aprender coisas novas. Quando alguém vem falar comigo sobre comida eu não paro nunca, fico tão empolgada com o assunto que acabo de extrapolando”. De fato uma verdadeira paixão. Não contente em explorar a culinária apenas na faculdade ou no trabalho, a gastronomia também acompanha suas horas de lazer. Livros, perfis de redes sociais, influenciadores, filmes, realities ou canais do youtube, a cozinha está sempre presente.
Mas qual é o grande sonho? Quem sabe um dia ter uma loja física de doces e café, casados em um ambiente para unir as pessoas em volta da comida. “Independentemente do que vai acontecer no mundo, a comida é a única coisa que vai continuar e permanecer, porque a comida tem um poder imensurável”.
Alice Rocha no Instagram: @ahlixedoces
Fotos: Divulgação/Alice Rocha
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